Lisboa no ano 2000: Edição para o ELTeC Matos, Melo de (?-?) Criação do HTML original Ricardo Lourenço Artur Coelho R.B. Nortør Codificação segundo as normas do ELTeC Diana Santos 9120

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Lisboa no ano 2000 Melo de Matos Projecto Adamastor Lisboa no ano 2000 Melo de Matos 1906

português de Portugal Adicionado à coleção ELTeC

Lisboa no Ano Três Mil
I

O PORTO DE LISBOA

De bom grado olhamos para o passado de Portugal. Com prazer rememoramos as épocas gloriosas da nossa história e até às vezes aquelas em que o oiro do Brasil alimentava as nossas vaidades sem alentar nem a nossa indústria, nem a nossa agricultura. Admiramos os heróis da história pátria, extasiamo-nos perante a largueza de vistas de Afonso de Albuquerque ou do Marquês de Pombal, mas não nos atrevemos a encarar de frente o que o futuro pode reservar para o nosso país. Se algum estadista nosso quis ter iniciativa, quis obrigar-nos a caminhar como as outras nações, ou passou por visionário ou foi taxado de aventureiro. Apontar nomes seria reforçar a nossa asserção, mas ainda se pode dizer que estão quentes as cinzas de alguns, não apagadas as paixões provocadas pelas ideias de outros e por isso mais vale seguir o conselho do Dante: ma guarda e passa e embarcarmo-nos no batel doirado da fantasia, para vivermos a Lisboa que deveríamos ter daqui por vinte anos, que é forçoso que tenhamos até antes dessa época, sob pena de darmos razão à profecia de um estadista inglês, cujo nome também não citaremos.

Chamamos-lhe Lisboa no ano 2000; mas, se progredirmos a valer e como devemos, dentro de 96 anos teremos ultrapassado tudo quanto fantasiamos aqui.

Quando muito, bastarão trinta anos para que se realize tudo quanto sonharmos escrevendo. Queiramos, mas queiramo-lo a valer e tudo quanto fizemos ficará a perder de vista do que fantasiarmos.

A terra de muitas e desvairadas gentes numa manhã de Junho teve notícia de que demandava à barra o Gil Eanes, o melhor e mais rápido dos vapores da Norte Europa, companhia de navegação que, em dez anos, açambarcara o tráfego da Royal Mail, da Societé Navale de l’Ouest e da Hamburger Linie.

A sede da companhia de navegação denominada Norte Europa era um belo palácio de estilo manuelino situado no Aterro, não longe do anteporto. Também era nesse palácio que estavam instaladas as Companhias de navegação para a África Oriental, África Ocidental e Sul América. Poderosa companhia era a Norte Europa, possuidora de doze grandes transatlânticos. Em frente daquele palácio, no largo para que deitava a fachada principal, via-se a estátua de Vasco da Gama, que descreveremos mais adiante.

O Gil Eanes foi construído nos estaleiros que uma grande empresa portuguesa possuía no Ginjal. Era este o maior vapor da carreira Norte Europa. Media de popa à proa 250 metros, 48 de largura e 22 de profundidade. Deslocava 70.000 toneladas e comportava 47.000. As máquinas desenvolviam 26.000 cavalos de força e imprimiam-lhe uma velocidade de 30 milhas por hora, de maneira que pouco mais gastava de 25 horas e meia de Londres para Lisboa. Acomodava 900 passageiros de primeira classe, 400 de segunda e 250 de terceira, além de 3.000 na entreponte.

Apesar das suas grandes dimensões era diminuto o número de homens de tripulação, se se abstraíssem os criados e moços de bordo.

A carga das fornalhas das caldeiras, também construídas em Portugal, fazia-se mecanicamente por meio de um sistema de pirómetros e alavancas que actuavam dragas que lançavam automaticamente o carvão sobre as grelhas. O combustível empregado era o pó de carvão, segundo um processo inventado por um engenheiro português.

Um químico português inventara também um método de aplicação do calor dos gases da combustão à decomposição do ar atmosférico, aproveitando-se o oxigénio puro para queimar o carbónio e produzir o calor e o azoto reagindo sobre a jorra, que ficava em diminuta quantidade, transformava-a num adubo químico de um poder fertilizante extraordinário.

As máquinas do Gil Eanes eram turbomotores actuados pela expansão do vapor, de maneira que, assim como os paióis do combustível, ocupavam um espaço restrito.

A electricidade, sob todas as suas multíplices formas, era distribuída em toda a embarcação.

Desistimos de descrever por agora as luxuosíssimas instalações desta embarcação, mas lembraremos que o teleparineto, inventado por um electricista português, aplicando os solenóides cónicos de van Thuylen, é que deu azo a poder-se obter a enorme velocidade com que o Gil Eanes percorria meio grau meridiano em uma hora, ou por outra cada milha marítima em 2 minutos de tempo.

Como o indica o seu nome, o teleparineto avisava longe, e, de facto, com este aparelho conheciam-se os obstáculos que se encontravam na derrota da embarcação até três milhas de distância.

Como os possantes freios que possuíam as máquinas do Gil Eanes detinham o vapor em doze segundos, por isso havia trinta vezes mais tempo do que era preciso para evitar os abalroamentos.

Para quê pormenorizar este aparelho avisador que revelava os obstáculos por meio de uma bússola das tangentes? Para quê alongarmo-nos na descrição deste maquinismo que tanto impressionou Portugal quando se fizeram as primeiras experiências com ele? Para quê recordar o entusiasmo com que foi coberta só em Lisboa umas poucas de vezes a emissão de obrigações para a construção do Gil Eanes? São factos de todos conhecidos e por isso imaginemo-nos a bordo.

Às 6 horas da manhã, o Gil Eanes avistou o cabo da Roca e era dia claro quando aproou à barra. Por isso já estavam apagadas as luzes de Cabo Raso, Santa Marta, Guia, Cascais, S. Julião, Bugio, Porto Covo, Caxias, Belém e Cacilhas.

Desde as alturas de Sintra, da Pena, da Cruz Alta até à beira do mar estavam os terrenos todos admiravelmente cultivados, distribuindo-se neles, irregular mas pitorescamente, lindas casas, mostrando cautelosamente por entre o arvoredo a brancura das suas paredes ou destacando-se vaidosas no meio do verdejar dos prados.

Através daquela extensa área de terrenos serpeavam estradas branquejantes, orladas de árvores que se distinguiam perfeitamente com o auxílio do óculo.

Ainda recorrendo ao óculo de alcance se divisava o sistema perfeito de aproveitamento das águas que outrora corriam selvagens, ravinando os terrenos por onde passavam.

As ribeiras de Manique, das Amoreiras, da Laje e de Barcarena distribuíam-se em inúmeras ramificações pelos terrenos adjacentes. A ribeira de Jamor foi desviada do seu curso para produzir uma queda de água para produção de electricidade, para iluminação da Cruz Quebrada, Linda-a-Pastora, Dafundo, Algés e Caxias.

Com a correcção das ribeiras marginais e obras avançadas junto da torre de S. Julião, atenuou-se de tal maneira o Cachopo do norte, que o corredor atingiu 18 metros de profundidade, chegando a barra grande a 25 metros de fundo.

Podiam por isso indiferentemente os navios escolher uma ou outra derrota para a entrada de Lisboa e bem necessário foi isso, porque era enorme a afluência de embarcações de todo o calado que entravam e saíam do porto a todos os instantes.

A costa arenosa da Trafaria e a duna que se prolonga para o sul até à lagoa de Albufeira estava toda arborizada e para exploração dos cortes florestais foi preciso construir uma linha férrea. Demais a Trafaria estava transformada num grande centro industrial. Tinha 25 fábricas de conservas de peixe. Desde o alto de Murfacém, da Torre, do Pragal até à margem esquerda do Tejo só fábricas é que se viam ou instalações para serviço marítimo.

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«A Trafaria estava transformada num grande centro industrial. Tinha 25 fábricas de conservas de peixe. Desde o alto de Murfacém, da Torre, do Pragal até à margem esquerda do Tejo só fábricas é que se viam...»

Atracou há pouco um vapor à ponte-cais de uma fábrica. Lá desceram os vagonetes carregados de mercadorias, lá manobrou o guindaste movido a água em pressão que tomou de uma só vez a carga toda de um vagonete e a depositou no porão. E bastavam dois homens para manobrar tamanhos volumes, tão pesados.

Mais adiante, um vapor carvoeiro atracou à ponte, ainda não há dois minutos. Desceu uma draga os seus baldes ao porão e começou descarregando carvão, lançando-o para vagonetes ligados entre si por simples cabos e todos a uma cabo de aço que os levava até ao planalto que fica por cima do antigo Lazareto.

Completou-se a carga. O maquinista da draga desandou uma manivela e todos os vagonetes subiram uma forte rampa de 18 por cento, tocados apenas pela acção do ar comprimido. Tornejaram a parte superior do depósito de carvão, descarregaram todos a um tempo, abrindo automaticamente o taipal e basculando em uníssono, sob a acção de um freio eléctrico.

Descarregados, retomaram a posição normal sobre o caixilho, graças a um magnete que o maquinista actuou para esse efeito e voltaram a descer para receberem nova carga, quando outros carregados subiam a rampa e outros já estavam completando-a.

No depósito de carvão da Banática via-se o carvão descer por uma tela sem fim que se inclinava sobre uma caleira que a punha em comunicação com a boca do paiol. Carregava assim duzentas toneladas de combustível por minuto, enchendo num relance os paióis do maior vapor.

Depois viam-se os grandes estaleiros que construíram o Gil Eanes e o Arsenal de Marinha entre Mutela e Margueira, ocupando 49 hectares de terreno e tendo anexos os bairros para os operários e pessoal dirigente, constituídos por casas alcançando-se até ao Pragal, todas com quatro fachadas, de arquitectura genuinamente portuguesa, mas de extraordinária variedade de formas.

O Gil Eanes tocara em Cristiânia, onde se dizia que andava o cholera morbus, e por isso não atracou no cais. Os passageiros desceram para o vapor de serviço do posto de desinfecção e logo que desembarcaram foram sucessivamente passando pelos quartos de banho, ao passo que as roupas iam para as câmaras de desinfecção. Meia hora depois estavam livres os passageiros. As bagagens dos que seguiam para outras terras do país eram metidas em vagão especial onde se desinfectavam; as dos que ficaram em Lisboa passaram às câmaras de sulfuração e só quatro horas depois é que foram distribuídas aos seus donos, por meio de carruagens automóveis especialmente destinadas para este fim.

Lisboa era o ponto de reunião de todas as marinhas do mundo inteiro. Nos cais, ao lado dos sons ásperos do holandês, soavam as vogais harmoniosas do italiano; ao inglês cheio de abreviaturas, com metade das letras mal pronunciadas, respondia o espanhol, onde todas soam como clarins em tropel de batalha.

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«Lisboa era o ponto de reunião de todas as marinhas do mundo inteiro...»

As necessidades sempre crescentes da população, as exigências de cada vez maiores do comércio de importação e de exportação e da indústria obrigaram a Câmara Municipal a denunciar o contrato que ainda por largos anos devia vigorar com a Companhia Carris de Ferro.

Foi preciso estabelecer o metropolitano, ligando o centro de Lisboa com todas as linhas férreas.

Desde Cabo Ruivo para jusante, só se encontram wharfs e linhas férreas de serviço de armazéns. Cada uma dessas pontes-cais tinha um possante guindaste e alguns transportadores aéreos, quando serviam fábricas existentes em Alfama, no vale de Alcântara e até ao alto de Santo Amaro.

As linhas férreas ramificavam-se pelos cais. Na extremidade oeste da doca de Alcântara, todos os terrenos entre a antiga ponte de Alcântara e o Tejo estavam ocupados pelas linhas férreas de serviço. Ali se cruzavam em todos os sentidos os transportadores aéreos.

O metropolitano de carril sobreelevado foi o que se adoptou em Lisboa. Este sistema iniciado em Zossen na Alemanha não deu os resultados que dele se esperavam, mas um engenheiro português fizera-lhe modificações tão importantes que o tornara extremamente prático.

Uma série de V invertidos, de cujo vértice pendia um carril a que se suspendiam as carruagens que constituíam o comboio, dava um aspecto curioso às ruas atravessadas por aquele transportador.

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«Uma série de V invertidos, de cujo vértice pendia um carril a que se suspendiam as carruagens que constituíam o comboio, dava um aspecto curioso às ruas.»

Cada linha metropolitana constituía um circuito completo, de modo que as carruagens circulam sempre no mesmo sentido. A frente da carruagem de avante prolongava-se em ângulo agudo, para cortar a resistência do ar. As estações, munidas de elevadores que distribuíam os passageiros segundo as classes, estavam dispostas de maneira que os comboios paravam automaticamente, abrindo-se também automaticamente as portas das carruagens. Pelo lado esquerdo entravam os passageiros e pelo direito é que era a saída.

Era a electricidade o motor desta linha e os comboios sucediam-se de cinco em cinco minutos, andando com a velocidade normal de sessenta quilómetros à hora, mas podendo atingir cento e oitenta nos dias de maior movimento.

De noite iluminavam-se com lâmpadas de cores os suportes em V do metropolitano e grandes lâmpadas encimando-os davam um aspecto festivo à cidade.

As carruagens do metropolitano seguiam sem descontinuar como meteoros luminosos, os americanos e os automóveis com lanternas de variegadas cores semelhavam enormes vaga-lumes. Para todos esses meios de transporte havia passageiros. Pesadas galeras movidas automaticamente transportavam toda a casta de mercadorias e nos cais trabalhava-se à luz da electricidade com a mesma azáfama com que se andava de dia.

As operações de carga e descarga, o embarque do carvão, as aguadas tudo se fazia com extrema rapidez, a ponto tal que os navios que entravam na reponta de água, tinham tempo de descarregar as mercadorias, completar a carga, fazer aguada, receber mantimentos, meter carvão e seguir na vazante imediata barra fora, porque os portugueses tinham de todo esquecido o anexim de que há mais marés do que marinheiros.

Do mar lhes viera a riqueza, pelo mar conquistaram outra vez e definitivamente desta feita o lugar a que tinham direito como nação gloriosa de industriais, de agricultores e de nautas.

Por isso Lisboa se transformara inteiramente. À beleza com que a enfeitara o céu azul de Portugal, juntava-se agora a arte com que o homem soubera completar as magnificências da natureza. Para as admirar viera o Gil Eanes cheio de passageiros e para também as vermos é que iremos em breve no encalço deles, porque muitos e grandiosos monumentos temos que contemplar, inúmeras fábricas e variadas construções temos que examinar. Mas tanto é o que temos que contar que seria abusar da paciência dos leitores fazê-lo agora.

II

OS CAIS DE ALCÂNTARA E OS ARMAZÉNS DE LISBOA

O que seriam os cais de Lisboa para serviço do porto nos termos em que ficaram descritos?

Suponhamos que tendo tomado um automóvel de praça vamos para Alcântara junto do anteporto.

Inúmeros cruzamentos de linhas férreas e de agulhas de desvio circuitavam toda a doca de Alcântara e a de Santo Amaro, fortemente ampliada.

Para atravessar aquele emaranhado de linhas estabeleceram-se transportadores aéreos que conduziam os passageiros aos diversos cais de mercadorias. A numeração dos cais condizia com a das carruagens transportadoras. As cores das carruagens eram iguais às que nos cais estavam desenhadas na grande planta que se encontrava logo à entrada da estação. A planta dos cais do porto de Lisboa vendia-se por toda a parte a dez réis, embora admiravelmente desenhada, primorosamente colorida e com todas as indicações tão exactas e tão claras que ninguém precisava de perguntar coisa alguma. Havia edições estrangeiras, em todas as línguas do universo.

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«Para atravessar aquele emaranhado de linhas estabeleceram-se transportadores aéreos que conduziam os passageiros aos diversos cais de mercadorias.»

Cada um dos cais, em grandes letreiros, indicava em português, francês, inglês e alemão a mercadoria para que era destinado. Sem uma hesitação, cada um podia facilmente, e sem perder tempo, dirigir-se para onde necessitava.

Não era contudo a estação de Alcântara a de classificação. Essas eram privativas de cada uma das linhas ferroviárias que convergiam a Lisboa. Os vagões, à chegada a Alcântara, já vinham distribuídos, iam-se destacando do comboio à medida que se encontravam nos respectivos cais.

Com o traçado das linhas, estudado cuidadosamente, a locomotiva, que tinha ido deixando os vagões, engatava-os por ordem inversa daquela por que os largara para sucessivamente os abandonar junto dos cais, onde recebiam outras mercadorias; de maneira que raro era sair do recinto do porto de Lisboa um vagão sem carga. Todos vinham carregados de mercadorias produzidas no país ou no resto da Europa e todos saíam carregados de produtos e matérias-primas vindas da África, da América, da Oceânia, do Extremo Oriente asiático, das costas de oeste da Europa.

As linhas férreas de serviço do porto tinham-se ramificado e distribuído de tal maneira em roda da doca de Alcântara que tinha sido preciso prolongá-las muito para além do local onde se encontra agora a Cordoaria Nacional.

Este edifício pombalino transformara-se em armazém de mercadorias e secretaria para o serviço do porto.

A doca de Belém, muito ampliada, aplicava-se aos carregamentos de produtos agrícolas do país. Era por aquela doca que se embarcavam os frutos temporãos que iam abastecer os mercados de Paris, de Londres, de Berlim. A produção era tão abundante e por tão baixo preço que os hortelãos das grandes cidades do norte tinham sido obrigados a pôr de parte os sistemas de cultura forçada de que usam actualmente.

Os telheiros e hangares distribuíam-se profusamente entre todas aquelas linhas férreas. Todos eles eram de construção muito leve, munidos de cais à altura das plataformas dos vagões, dotados de linhas Decauville para serviço das arrecadações. Os vagonetes Decauville eram movidos por electricidade ou pelo sistema de ar comprimido, ainda em ensaios, mas que prometia já resultados maravilhosos.

Em todos os armazéns se encontravam guindastes móveis, percorrendo carris assentes junto da armação dos telhados, e cuja manobra explicaremos quando virmos como funcionam aqueles estabelecimentos.

E como estamos exactamente no cais que corresponde ao armazém dos azeites de Castelo Branco, não é fora de propósito entrar nele.

Um norte-americano, alto, magro, de barbicha ruiva percorre o caminho deixado entre as pipas. Lê atentamente o quadro que está no tampo de cada uma delas e esse quadro é digno de atenção. Indica a data da colheita, o resultado da análise e o stock à venda. À entrada do armazém dava-se a tabela da cotação da véspera, designando a totalidade das transacções efectuadas, as ofertas, os últimos pedidos telegráficos, em suma todas as indicações que podiam esclarecer as transacções a efectuar.

O nosso americano consultou repetidas vezes a tabela da cotação e os quadros que estavam nos tampos das pipas, tomando notas numa pequena caderneta. Lá parou em frente de um lote, tocou num botão eléctrico e sem demora apareceu um empregado do armazém.

Meia dúzia de palavras trocaram um com o outro, entraram num camarote telefónico munido de dois aparelhos receptores e de um telefotográfico aperfeiçoado.

Junto destes aparelhos estava um quadro com três aberturas, ao lado esquerdo de cada uma das quais se liam os algarismos 10, 20 e 30 e do lado direito 5 réis, 10 réis e 15 réis. Conforme os minutos durante os quais se queria conversar assim se deitava na abertura correspondente a importância indicada. A queda da moeda estabelecia a comunicação com a central.

O empregado do armazém disse dois algarismos e logo sem demora apareceu no quadro telefotográfico a imagem do vendedor, ao passo que, no escritório deste, o comprador via o nosso americano. Estas fotografias a cores eram de perfeita exactidão e davam todos os movimentos que os dois contratantes efectuavam, a distância talvez de quilómetros um do outro.

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«O empregado do armazém disse dois algarismos e logo sem demora apareceu no quadro telefotográfico a imagem do vendedor.»

Por cima do transmissor telefónico, logo que se estabeleceu a comunicação, apareceu um número de ordem, a designação do mês, dia, hora e minuto em que se iniciou a conversa e logo um aparelho registador constituído por dois cilindros de eixo horizontal começou a registar aquelas indicações e as palavras trocadas entre os dois contratantes. Eram frases breves, telegráficas até, tais como: Entrega imediata? Sim. Pagamento em cheque sobre a Caixa Geral Agrícola.

Por fim o contrato fechou-se. Testemunha muda da conversa até então, o empregado do armazém abrindo a vigia do aparelho registador de contratos destacou dele o rolo de papel em que a conversação foi registada por meio das vibrações da placa telefónica, passando-o para um fonógrafo, que ia lentamente repetindo tudo quanto registara, quer na transmissão, quer na recepção, ao passo que o empregado escrevia à máquina o que ia ouvindo segunda vez. Como a máquina de escrever estava ligada com um registador no escritório do vendedor ali se iam reproduzindo as letras traçadas no camarote do armazém, de maneira que ambos os contratantes podiam ir lendo as cláusulas do contrato. Se, antes de o encerrarem, fosse preciso fazer qualquer aclaração, uma campainha eléctrica especial avisava e voltava a trabalhar o registador telefónico. Lavrado o contrato numa única folha de papel contínuo, foi colocado sobre uma placa de selénio, onde com uma pena especial, ligada a uns fios de cobre muito finos, o americano traçou o seu nome, que foi reproduzido automaticamente no duplicado do contrato no escritório do vendedor e, por seu turno, enquanto aquele assinava em casa, a pena ia reproduzindo a assinatura no contrato lavrado no camarote. Por fim, a assinatura do empregado que escreveu o contrato autenticou-os a ambos, ficando para arquivo tanto no armazém como em casa do vendedor o registo telefónico.

O contrato que acabamos de ver lavrar efectuou-se com um vendedor que estava a 86 quilómetros de distância do armazém onde se encontrava o comprador. Toda a transacção fizera-se em quatorze minutos e a sua importância era superior a cinquenta contos de réis.

Se a transacção se não realizasse, entregar-se-ia ao comprador a folha do registo telefónico, não ficando no armazém mais do que a nota do número de ordem, das datas e dos preços de oferta e de pedido, para figurarem na mercurial do dia seguinte.

Assinado o contrato, o comprador passou ali logo um cheque e saindo do camarote voltaram ele e o empregado para o sítio do lote comprado, sobre o qual ficara uma placa indicando o número da cabina onde se estava transaccionando. Aquela placa apareceu ali logo que se abriu a porta do referido camarote que comunicava por fios eléctricos com a mencionada placa.

Qualquer comprador que pretendesse o mesmo lote só poderia avisar pela linha telefónica geral que não contratassem sem o ouvir, sabendo assim o vendedor como lhe cumpria proceder.

O empregado do armazém deslocou a placa e logo o guindaste suspenso da armação do telhado veio parar por cima deste, trazendo consigo dois homens que rapidamente desceram pelas próprias lingas.

Começaram então lingando as pipas e logo que cada uma estava convenientemente disposta para ser içada, puxaram por um cabo que fazia girar o guindaste até o colocar na prumada de um vagonete Decauville. Então um maquinismo especial comunicou com as engrenagens do guindaste e começou o descenso da pipa de maneira que ficou cuidadosamente assente sobre o vagonete.

Premindo uma alavanca, impeliam-se os vagonetes carregados, à medida que vinham correndo outros para receberem carga. O fiel do armazém era quem manobrava aquela alavanca, que também actuava uma máquina registadora consignando o número de vagões que saíam para a báscula, onde se dava novo registo automático do peso. Também o guindaste registava e totalizava os pesos e os volumes que removia.

De vinte e quatro em vinte e quatro horas, vinha um inspector colher os registos e, por uma simples subtracção entre os totais saídos e as entradas, conhecia-se a existência em armazém, que logo era comunicada à praça, dando assim lugar ao regulamento das transacções.

O processo administrativo seguido nos armazéns gerais como o que acabou de se examinar era extraordinariamente simples.

Cada produtor mandava para o armazém a mercadoria ou o anúncio apenas de que a tinha em depósito.

Conforme estes dois casos assim se regulavam as operações de compra e venda, mas havia toda a vantagem em depositar as mercadorias no armazém geral, por este garantir a genuinidade do produto.

De facto, logo que a mercadoria entrava em armazém, era examinada quimicamente e, segundo o resultado da análise, assim se classificava conforme o tipo que melhor lhe convinha. Poucos eram eles e demais eram lotadas muitas mercadorias com outras de outros produtores, para darem certos tipos exigidos no mercado, ou pelo comprador. As tabelas de análise permitiam calcular os tipos aludidos e por isso muitos compradores mandavam efectuar ali mesmo trasfegos por empregados seus, mediante pagamento de uma taxa especial, saindo dos armazéns gerais produtos cuja composição constituía segredo comercial. As mercadorias assim tratadas eram garantidas pela aposição do selo do armazém geral, por isso que só se podiam fazer essas misturas com produtos depositados em armazém.

Quando as lotas eram feitas por conta da administração do armazém geral, avaliavam-se os produtos fornecidos, creditando-se ao respectivo fornecedor. Como este tinha fixado o preço de venda, que podia fazer variar como melhor entendesse, mas que era afixado conjuntamente com o quadro da análise, facilmente se liquidavam as transacções.

Fixada uma venda, o empregado do armazém geral, pelo facto de lavrar o contrato e receber o preço das mãos do comprador ou uma declaração de recepção da mercadoria, se esta era comprada a prazo, entregava a mercadoria debitando o vendedor pela saída, pela corretagem e pelo aluguer do armazém, cuja taxa era diminuta. Formulada esta conta, expedia imediatamente um boletim para a Direcção Geral dos Armazéns do Porto de Lisboa, onde consignava o estado da conta, que tinha acabado de sofrer alteração.

Quando a transacção se liquidasse a pronto pagamento, o que sempre se fazia por meio de cheques e nunca a dinheiro de contado, também se expedia o cheque juntamente com o boletim.

Todas estas remessas de documentos faziam-se pelo correio pneumático privativo do serviço dos armazéns.

Às seis horas da tarde reunia-se a Câmara de Compensação, para fixar as transacções realizadas nos armazéns gerais e, por meio de simples lançamento em contas correntes, fixavam-se negócios de centenas de contos de réis quase que sem deslocação de dinheiro amoedado.

Tinha-se demais radicado de tal maneira naquele tempo o uso dos cheques para pagamentos, que os negociantes e industriais nunca saíam de casa sem levarem consigo um livro de cheques na algibeira e era com eles que pagavam muitas vezes simples contas de hotel e outras despesas análogas.

O que sucedia com o armazém que examinámos dava-se com todos aqueles em que no porto de Lisboa se negociava o açúcar, o cacau, a borracha, o amendoim, o pau de sândalo, as lãs, o arroz, os óleos minerais, a cortiça, numa palavra tudo quanto é susceptível de compra e venda.

Onde contudo se podia bem presenciar a labuta de todos os cais era de uma torre de aço com a forma de sólido de igual resistência, de base quadrangular e de 350 metros de altura, encimada por um foco eléctrico para iluminação do porto e dos seus cais, no recinto da estação de Alcântara. Estavam também instalados naquela torre, com três andares, restaurantes com orquestras primorosas executando músicas de diversos países e dos compositores mais em voga.

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«Onde contudo se podia bem presenciar a labuta de todos os cais era de uma torre de aço com a forma de sólido de igual resistência, de base quadrangular e de 350 metros de altura...»

Os elevadores de serviço transportavam os forasteiros a todos os andares e, à medida que se subia, era cada vez mais deslumbrante o panorama que se desenrolava à vista.

Os vapores e os barcos de vela que sulcavam o Tejo eram inúmeros. A par do transatlântico todo de aço, vindo do sul da América ou da África oriental, deparava-se-nos o modesto caíque algarvio, com o pelego de carneiro encimando a proa. Ao lado do iate de Aveiro ou de Vila do Conde, entrava o cruzador couraçado, que regressava do Báltico. A uma escuna dinamarquesa seguia-se um vapor da carreira de África ocidental, um patacho carregado de pozolana, um lugre com vasilhame, um brigue de recreio, uma galera, com os seus três mastros carregados de velas quadradas, cheia de fardos de algodão da Nova Orleães; mas o que predominava eram os vapores vindos de África, de Java, da Nova Guiné, da Austrália, dos portos do Extremo Oriente, crescendo o tráfego à medida que melhorava a travessia do canal de Panamá.

No mais elevado dos pavimentos da torre esfumavam-se as minúcias, mas a vista espalhava-se amplamente ao longo do Tejo.

Todos os pavilhões de todas as nações marítimas se tinham reunido no porto de Lisboa e ainda em certos pontos da terra se viam figurar alguns deles.

Toda a encosta desde a antiga Rua do Terreiro do Trigo até ao sopé do Castelo de S. Jorge estava transformada; mas olhando para oeste, via-se o Casal de Alvito e todo o vale de Alcântara cheios de edificações até às alturas de Monsanto, e, no meio delas, parques e jardins davam uma nota suave por sobre as cores vivas das casas e dos telhados.

Entre Caselas e Pedrouços tinham pedido os Estados Unidos 200 hectares de terreno para ali estabelecerem armazéns de produtos seus, com que contavam fazer concorrência a todos os similares europeus, em toda a Europa.

Ampliaram a doca de Belém, removeram o gasómetro, traçaram largas avenidas e extensas ruas, todas servidas por vias férreas eléctricas.

Ali fizeram um bairro comercial, não tocando nem na torre de Belém nem no edifício dos Jerónimos.

A república Argentina estabeleceu em Lisboa o seu mercado central das lãs e das carnes e as colónias inglesas do Cabo e da Austrália e o domínio do Canadá já mandavam indiferentemente os seus produtos para Londres ou para Lisboa e não poucas vezes aqui encontravam melhor venda do que em Inglaterra.

III

A ESTAÇÃO DE LISBOA-MAR

Na estação de Alcântara passava uma das linhas metropolitanas de maior frequência. Era de carruagem suspensa e seguia ao longo do Tejo e dos cais até Cabo Ruivo, com estações muito próximas umas das outras.

As linhas americanas, os aeroplanos e os automóveis de praça completavam o serviço de circulação das grandes artérias constituídas pelo metropolitano.

De Alcântara até à estação central marítima de Lisboa não gastava o metropolitano mais de dois minutos.

Estava situada a estação central marítima no local agora ocupado pelo arsenal de marinha e ali convergiam todas as linhas de passageiros que vinham ter a Lisboa.

Desde Santa Apolónia até Cascais, a via-férrea do norte e leste não tinha solução de continuidade. Passava em pontes viadutos pela frente do Terreiro do Paço e ramificava-se pela doca da Alfândega e pela do Terreiro do Trigo.

Era à estação central denominada Lisboa-Mar, que convergiam as linhas metropolitanas.

No sítio onde outrora estiveram as carreiras dos navios encontrava-se a praça central distribuída em sectores, onde os passageiros aguardavam os comboios ou onde desciam daqueles destinados a Lisboa e às linhas de navegação ultramarina.

Como não fora possível fazer uma praça suficientemente espaçosa diante da estação e isso era indispensável para o seu bom serviço, foi necessário fragmentá-la em dois corpos separados por um amplo largo, onde estacionavam os automóveis de aluguer, onde convergiam as linhas americanas e por cima do qual passavam os comboios do metropolitano.

Um dos corpos do edifício era destinado aos passageiros, registo e bagagens, venda de bilhetes, informações e restaurante, ao passo que o outro se destinava exclusivamente aos serviços internos da estação.

A arquitectura destes dois corpos de edifício era singularmente original. Via-se que semelhante obra era devida a um povo aventureiramente audacioso, sempre ávido de coisas novas, sempre pronto a correr mundo para levar a civilização a longes terras, gastando a vida, desprezando a riqueza ou sacrificando tudo a ela numa inconsequência de quem entende que tudo lhe é devido. Ao mesmo tempo megalómano e prático, assim o edifício se impunha pela riqueza dos materiais que entravam na construção, pela correcção das suas linhas arquitectónicas, que todas concorriam como que na deificação do relógio monumental que encimava o edifício, com quatro mostradores, cada um orientado para um dos pontos cardeais.

Todo o edifício dizia que o relógio era a razão de ser daquela obra, como que o coração e o cérebro ao mesmo tempo daquele monumento.

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«Todo o edifício dizia que o relógio era a razão de ser daquela obra, como que o coração e o cérebro ao mesmo tempo daquele monumento.»

A ornamentação policrómica da estação dava bem a entender com os seus azulejos e os cristais dos hangares que era apenas vestíbulo da cidade, por onde se tinha ingresso para lhe admirar as maravilhas ou de onde se partia para ver novos cais, para lutar noutras paragens pela conquista do pão de cada dia.

O serviço da estação de caminho-de-ferro obrigara a transformar os edifícios pombalinos outrora ocupados pelos ministérios das obras públicas, fazenda, guerra e marinha. Tinham-se adaptado ao novo ministério do comércio, indústria, correios e telégrafos.

O serviço dos correios não só se fazia em automóveis, nas linhas férreas e nas do metropolitano, mas ainda usava de um aperfeiçoado sistema pneumático com distribuição em toda a área da cidade. De todos os postos pneumáticos se podia lançar a correspondência, de maneira que chegava ao correio geral poucos minutos antes da expedição das malas para os seus respectivos destinos. As carruagens de ambulância dos correios recebiam as malas da correspondência por um sistema de transportadores eléctricos que iam do correio geral até à estação Lisboa-Mar.

E era singularmente interessante ver as malas percorrerem os fios dos transportadores, pararem sobre os vagões das ambulâncias, todos pintados de azul-claro e encimados por uma tremonha onde caíam as malas e por onde entravam para a ambulância.

LISBOA BANCÁRIA

Deslocados para o resto da Praça do Comércio os ministérios dantes situados do lado ocidental, excepto o da guerra, que se tinha acomodado em parte do edifício do arsenal do exército, também a baixa pombalina se transformou.

Todos os estabelecimentos bancários se haviam distribuído nos três primeiros quarteirões da Rua do Ouro, rivalizando em sumptuosidade arquitectónica. Os marinares de variegadas cores, as janelas envidraçadas, os doirados dos gradeamentos de ferro, tudo dava nota de que ali se tratava de tudo quanto dizia respeito ao manejo e à conquista do oiro, que obriga a tanta baixeza, que provoca tanta heroicidade, sempre adorado quer na forma de bezerro, quer na de moeda, espécie de hóstia consagrada a um deus que veio ao mundo para perder o género humano, mas também para o fazer progredir.

Além do vetusto Banco de Portugal, dos bancos de Lisboa & Açores, do Comercial e de outros, via-se a Caixa Geral Agrícola com o seu friso de azulejos representando frutos estilizados, as suas janelas recordando aberturas de celeiros alentejanos, tudo numa arquitectura sólida como a propriedade fundiária, mas recordando o bucolismo de uma écloga virgiliana e ao mesmo tempo a transformação sofrida pela agricultura graças à química, à mecânica e à meteorologia. Nos cheios das paredes, medalhões representando Liebig, Chaptal, Pasteur, Ferreira Lapa, Matheus Dombasle e altos-relevos aludindo aos trabalhos proeminentes destes ilustres sábios concorriam para dar ideia dos intuitos deste estabelecimento, justificando um grupo de mármore representando Ceres e a Ciência Moderna estreitamente abraçadas e circuitadas de instrumentos de laboratórios, de retortas, de ceifeiras mecânicas, de animais de lavoura e de medas enormes.

Poucos passos adiante da Caixa Geral Agrícola, banco rural com sucursais em todo o país, estava o Crédito Industrial, cuja fachada toda de aço e cristal dava bem a medida dos fins daquele estabelecimento. Numa linda ornamentação de faiança estilizara o arquitecto a história da mecânica desde o singelo plano inclinado com que se construíram as pirâmides do Egipto até às mais recentes máquinas magnetoeléctricas, que arrebatavam a electricidade das altas camadas atmosféricas para a obrigarem a desempenhar até misteres caseiros bem modestos.

Parecia que as linhas todas destes edifícios concorriam para formar como que o embasamento de uma estátua colossal que o encimava, representando a Ciência Moderna, por um génio alado, com pé direito levemente apoiado sobre uma roda de cujos cubos saíam jactos de vapor. Na mão esquerda um pouco levantada acima da cabeça empunhava uma lâmpada eléctrica e a direita segurava uma pilha, cujos reóforos rodeando-lhe o busto em graciosas curvas se ramificavam, já para a lâmpada, já para máquinas diversas espalhadas em volta da roda sobre que poisava o pé. Eram teares mecânicos, eram turbinas de vapor, eram locomotivas, eram perfuradores, numa palavra eram os mil engenhos por meio dos quais o homem multiplica as suas forças.

Em frente destes edifícios, do lado oposto da rua, encontrava-se a Cooperativa Geral Edificadora, poderosa sociedade a quem se deviam as mais importantes construções da moderna Lisboa. Era ao mesmo tempo uma empresa de engenharia e arquitectura e um estabelecimento bancário. Estavam-lhe associados os mais importantes construtores do país e os maiores capitalistas.

Todos os construtores que tomavam conta de uma empreitada entregavam o contrato àquele estabelecimento, que se encarregava de adiantar dinheiro para os pagamentos das férias, de fornecer os materiais que o empreiteiro requisitava e de cobrar as importâncias das situações das obras medidas e aprovadas, tudo mediante diminutas percentagens.

Contudo, aquela empresa prosperara enormemente e nenhum construtor deixava de recorrer a ela, porque todos os materiais por ela fornecidos eram garantidos por análises e ensaios, que se efectuavam nos laboratórios do próprio estabelecimento.

Neste edifício não predominava o metal como no Crédito Industrial, nem a pedra como na Caixa Geral Agrícola. Todos os materiais de construção concorriam para dar um conjunto harmónico a uma obra em que era preciso mostrar que de todos se sabia lançar mão.

O que mais avultava na fachada desta edificação era uma larga janela ocupando a altura de três andares, encimada por um arco Tudor e vedada por uma vidraça de vidros diversamente coloridos.

Não era uma estátua alegórica ou um busto que encimava este edifício, mas um frontão em cujo tímpano estavam representadas todas as artes construtivas cooperando numa construção. Era a Geometria traçando um plano, o Cálculo justificando-o, a Mecânica Aplicada pondo-a em execução, com auxílio da pintura, da arquitectura, da escultura, das artes mecânicas, das ciências físicas e químicas e pairando sobre a labuta representada por todo este trabalho, a Abundância derramando a flux tudo a riqueza e o bem-estar.

Adiante deste edifício estava a seda de Companhia de Seguros Agrícolas, com a fachada toda de azulejo em grandes quadros, representando a devastação das searas pela inundação e pelo incêndio, a destruição dos rebanhos, das manadas e das varas de animais pela epizootia e ao lado destes painéis tétricos e dominando-os todos a Previdência domando as cheias, apagando os incêndios, protegendo os campos, as casas, as arribanas, os moinhos.

Entre a Rua do Ouro e a Rua Augusta desde o Terreiro do Paço até à Rua dos Capelistas, ficavam a Bolsa, o Tribunal do Comércio, a Junta de Crédito Público, o Tribunal de Contas, a Câmara de Compensação, a Associação Comercial, a Associação Industrial. O mercado central desdobra-se nos Armazéns Gerais do Porto de Lisboa para a venda dos produtos e na Bolsa dos Produtos Agrícolas para a sua cotação. Também esta última estava instalada junto da Câmara de Compensação.

Não se tirara ao edifício a estilização pombalina que lhe dera o reedificador de Lisboa, mas transformara-se inteiramente a sua disposição interna, ornamentando-se apropriadamente ao destino de cada instalação. Em roda do salão do Tribunal do Comércio achavam-se os cartórios dos escrivães, o gabinete do juiz, os dos curadores fiscais, o dos jurados, a sala dos advogados e as salas para as reuniões de credores, todas de severo aspecto.

O salão do tribunal largamente iluminado por uma cúpula envidraçada era de forma hexagonal e em cada um dos ângulos se erguia a estátua de um jurisconsulto notável no foro comercial: José Ferreira Borges, Alves de Sá, Pinto Coelho e outros.

Sobre o dossel que encimava a cátedra do juiz, a estátua da Equidade. A mobília deste salão era rigidamente severa, toda de pau-preto. Infundia pavor pelas suas linhas hirtas e pela sua forma quase que agressiva. Quase que lembrava ainda as três voltas à forca que a ordenação prescrevia para o falido, antes mesmo de se classificar a falência.

A Bolsa, com um grande salão oblongo, tinha ao centro uma tribuna com dez lugares para os correctores e adjacente a cada uma dessas tribunas, mas inferiores a elas, as secretárias onde os agentes dos correctores recebiam as ordens para as compras e vendas de papéis de crédito.

Eram circundadas estas tribunas e secretárias por uma grade preciosamente trabalhada, representando a Fortuna sobre a roda tradicional e correndo atrás dela representantes de todos os povos do mundo com os seus vestuários característicos, numa promiscuidade de cabaias chinesas, sobrecasacas europeias, chapéus altos de americanos como que atarraxados à cabeça, longas túnicas persas, brancos albornozes marroquinos, quimonos japoneses, fez tunisinos: — tudo se vistoriava no desenho daquela grade que era como que a sinfonia da conquista do velocino de oiro.

Quando entrámos, estava a bolsa funcionando. No quadro que encimava a tribuna dos correctores, estava a tabela das cotações do dia anterior. Os pregoeiros gritavam as cotações e os nomes dos títulos, os banqueiros e os bolsistas tomavam notas febrilmente em cadernetas. Tudo se fazia em altos gritos, aos encontrões em volta da grade. De tempos a tempos, um jogador entrava numa cabina telefónica, dava uma ordem breve e voltava correndo para transmitir uma ordem antes de fechar a cotação. Nisto davam as quatro horas da tarde.

Os correctores recolhiam à pressa os verbetes contendo as ordens recebidas, os telegramas que lhes tinham sido expedidos e recolhiam-se à sala das conferências, onde estabeleciam as cotações.

Passava uma hora angustiosa para muitos, para quase todos. Uns minutos antes das cinco horas, o quadro das cotações que se arreara ao fechar da praça voltava envolvido numa capa de sarja verde, trazido pelo pregoeiro e circundado por todos os correctores. Era de novo colocado no seu lugar sobre a tribuna. A bolsa há pouco tão animada semelhava agora um sepulcro. Todos os olhares convergiam para aquele quadro debaixo de cuja capa estava a ruína de muitos, a fortuna de alguns. Os telegrafistas, cujas mesas para transmissão dos despachos se achavam dispostas ao longo da sala, olhavam para o quadro, com a mão sobre o comutador, tendo já dado o sinal de chamada.

As portas de todos os camarotes telefónicos permaneciam abertas e dentro deles homens de olhar parado pareciam hipnotizados pela contemplação da sarja verde do quadro.

Junto das portas pneumáticas do correio acumulavam-se alguns outros de lápis na mão, prestes a escrever no cartão verde-mar do serviço pneumático os valores insertos no quadro, em frente dos dizeres impressos dos papéis admitidos à cotação.

Às 5 horas em ponto estava o quadro colocado no seu lugar. O corrector, que de três em três meses os colegas elegiam presidente da câmara dos correctores, sem poder haver recondução no cargo, aguardava com a mão num botão que desse a última badalada das 5 horas para comprimir o aparelho eléctrico que havia de fazer cair a capa do quadro.

Num relance, desvendava-se o quadro. Ouviam-se algumas exclamações alegres, uns gritos de raiva prestes abafados. As cabinas telefónicas fecharam-se rapidamente e o ruído seco dos manipuladores telegráficos destacava-se entre as juras abafadas dos bolsistas, que se retiravam lentamente como devotos que tinham vindo sacrificar perante aquele deus que na canção de Mefistófeles ainda nenhuma crença logrou derrubar.

IV

O TÚNEL PARA A OUTRA BANDA

Na estação do caminho-de-ferro Lisboa-Mar via-se um edifício cilíndrico, com uma única porta envidraçada e iluminado a luz eléctrica, quer de dia quer de noite.

Era o ascensor do túnel através do Tejo. Entremos. Fechada a porta começou-se a descer rapidamente. A atmosfera ia-se tornando incómoda; uma tira de papel reagente tomara uma linda cor amarela e então um guarda desandou uma torneira. Uma corrente de oxigénio purificou o ambiente, ao mesmo tempo que a potassa cáustica, em grandes recipientes recobertos de grades, se ia apoderando do vapor de água e do anidrido carbónico.

Durou esta descida dois minutos, findos os quais os passageiros se encontraram a cem metros abaixo do nível da estação.

Ali, uma espaçosa câmara circular abobadada e profusamente iluminada a luz eléctrica servia de sala de espera do comboio do sul.

Não contava aquele túnel mais de 6.327 metros de extensão, dos quais 2.200 por debaixo do rio.

A obra tinha sido projectada e executada por engenheiros portugueses e levara cinco anos a fazer em condições extremamente difíceis. Quem primeiro teve o arrojo de a estudar foi o engenheiro de minas Silvestre Ferreira. Consagrou muito tempo a sondagens e estudos estratigráficos de que concluiu que seria possível executar o trabalho, embora algumas dúvidas se lhe oferecessem, dada a origem vulcânica de certas rochas.

Organizou-se uma empresa que começou a perfuração muito para o sul do Alfeite, nas proximidades dos sapais, a oeste do Seixal.

Descia dali o túnel até atingir a cota de 98 metros abaixo da linha de praia-mar. Erupções vulcânicas de outras eras deixaram a rocha extremamente fendilhada, de maneira que as águas com que se não contava em tamanha quantidade, ao atingir aquele nível, prejudicaram os trabalhos à medida que se descia.

Tamanha era a confiança todavia nos estudos geológicos executados, que nem por sombras se pensou em desistir da empresa. No entanto, meses houve em que se não avançaram mais de três a quatro metros na perfuração do túnel, protelando-se por isso o ataque do lado de Lisboa.

Por essa época, o engenheiro Cirilo de Morais apresentava a perfuradora automática, manobrada com água em pressão, aproveitando assim a que ressudava em abundância das paredes do túnel. Ao mesmo tempo, o engenheiro Júlio Garcês propunha o sistema de revestimentos com grandes tubos de chapa de ferro, aperfeiçoamento do conhecido processo do escudo.

As águas, de inimigas que eram, transformaram-se em humildes escravas dos engenheiros e as perfuradoras caminharam maravilhosamente através do miocénico em que assenta a vila de Almada.

Estava-se quase a atingir a cota em que o túnel devia continuar em patamar, quando se deparou com uma enorme falha que dava passagem a um verdadeiro rio subterrâneo, com mais de cinquenta metros cúbicos de caudal por segundo, descendo quase que a prumo, em catarata. Era impossível com a violência da corrente fazer trabalhar ali o escudo e escusadas eram as perfuradoras. Foi preciso vedar a toda a pressa com chapas de ferro e cimento a galeria de avanço do túnel. Os engenheiros, os geólogos, todos os construtores portugueses e estrangeiros discutiram, examinaram, argumentaram a este propósito. O Século, o Arauto, o Progresso, as Novidades, todos os jornais diários tomaram conta da questão, discutindo alvitres diversos. Os empreiteiros não queriam desistir, mas encontravam-se ante uma dificuldade talvez insuperável. Via-se para breve a falência da empresa. Lembrava-se a conveniência de substituir o túnel por uma ponte do tipo da do Forth, na Escócia, indo tomar o nível ao sul, nas alturas de Almada, e de lado do norte passando em viaduto sobre Lisboa até às proximidades de Campolide.

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Ainda foi o engenheiro Júlio Garcês que encontrou a solução do problema. Começou pelo revestimento com formigão armado de toda a parte do túnel já construída, ampliando o diâmetro da galeria. Em seguida viram alguns curiosos que fora do túnel, mas muito bem orientada com o seu eixo, se construiu uma máquina composta de dois discos paralelos dispostos verticalmente. Na periferia dos discos encontravam-se igualmente distribuídos tubos de ferro, todos perfurados e ligados com uma máquina de compressão do ar e com uma betoneira.

Desceu-se cuidadosamente a máquina ao longo do túnel até à frente do escudo de avanço.

Ali as perfuradoras começaram a trabalhar abrindo furos que logo eram ocupados por um dos tubos da máquina. Como assentavam sobre a periferia dos discos, podiam os tubos resvalar sobre eles. A introdução de cada um deles no orifício aberto pela perfuradora não prejudicava o trabalho subsequente para a abertura dos outros furos. Ligava-se então o tubo com uma máquina compressora de ar a doze atmosferas, de maneira que a água, que se pretendia combater, era desviada daquela abertura. Os tubos, que tinham quatro metros de comprimento, penetravam apenas até metade da sua extensão na camada aquosa e quando todos estavam bem aparafusados ao disco da frente começou a trabalhar a betoneira. À luz das lâmpadas eléctricas que iluminavam o estaleiro viu-se então um fenómeno singular. À medida que se fabricava, ia sendo injectado o formigão através dos tubos, cuja primeira metade estava perfurada.

Aquela massa pastosa espalhava-se oleosamente através da água e ia formando um revestimento.

O químico Hermano das Neves encontrara propriedades notáveis de presa na reunião da nafta a cimentos de um fabrico especial, cujo processo ainda era exclusivo da Empresa dos Cimentos da Apertela, empregados naquela obra.

A betoneira e as máquinas de ar comprimido trabalharam simultaneamente sem descanso durante mais de cinco horas, não se poupando o material. Nisto pára tudo. O engenheiro Júlio Garcês e o químico Hermano das Neves mandaram retirar toda a gente, ficando eles unicamente junto das máquinas.

Durante três horas foi grande a ansiedade à boca do túnel. Alguns mais impacientes queriam aproximar-se. Todos apuravam o ouvido, retendo a respiração e olhando para o fundo do poço em declive. O disco, que ficara à retaguarda do ataque, projectava uma sombra opaca, através da qual nada se lobrigava.

Nem um ruído se ouvia. O empreiteiro consultava a todos os instantes o relógio, aproximava-o do ouvido.

Muitas vezes avançara para a boca do túnel, mas hesitava em ir de encontro às ordens formais do engenheiro. Quando viu que o relógio marcava quatro horas menos dez minutos, não pôde mais ter mão em si. Deitou a correr para junto daqueles que estavam talvez mortos, afogados, porque as forças brutais da natureza eram mais potentes do que o génio inventivo. Tropeçou mais de uma vez em pedras e em materiais espalhados no caminho. Todas as lâmpadas eléctricas estavam apagadas por ordem expressa dos dois inventores.

Ao cabo de doze minutos angustiosos, em que o eco dos passos lugubremente perturbava o silêncio medonho do túnel, pareceu-lhe ouvir o gorgolejar de uma corrente de água. Parou, hesitou um instante. O suor corria-lhe pela testa, as pernas tremiam-lhe convulsivamente e assomou-lhe uma lágrima aos olhos. «Estão perdidos» pensou; e continuou mais veloz na sua correria.

Quis gritar, a voz embargou-se-lhe na garganta.

Mais adiante foi um som cavo que lhe despertou a atenção. Pareceu-lhe o ruído de um alvião cavando a terra para abrir uma sepultura. Apressou o passo, tropeçou num vagonete. Através da periferia do disco pareceu-lhe ver luz. Avançou mais depressa. Não se enganara. Ouviu então perfeitamente a voz de Hermano das Neves que dizia muito sossegadamente:

— Faltam apenas doze minutos para tentarmos a última experiência.

— Vamos primeiro ver se não passa água por aquela junta, — retorquia não menos tranquilamente o engenheiro.

O empreiteiro a custo reprimiu um grito de alegria e retirou-se para a boca do túnel.

Arquejava, as forças que até então tinham reagido de encontro aos transes por que passara abandonaram-no. Para não cair encostou-se a um operário e só após alguns minutos é que pôde contar aos informadores dos jornais, ávidos de notícias, o que vira e o que ouvira.

Recrudesceu a ansiedade. O que seria a última experiência?

Ainda faltavam vinte e dois minutos para poderem voltar ao túnel.

O capataz e o empreiteiro já mal continham os operários. Os curiosos iam-se acumulando. De Lisboa chegavam vapores carregados de passageiros, que falavam em arrombar as vedações do estaleiro.

O telégrafo, o telefónio e um semáforo estabelecido no forte de Almada mandavam notícias de Lisboa de minuto em minuto. Os pombos-correios do serviço de informações do Século atravessavam o rio quase uns após os outros.

Só faltavam cinco minutos, quatro, três, mas foi já impossível conter os operários. O empreiteiro precipitou-se à frente deles para o escuro túnel, todos de roldão, e só o capataz teve a presença de espírito bastante para se demorar a desandar o comutador, para acender as lâmpadas eléctricas.

Do fundo do túnel, em breve ecoou um enorme viva, uma gritaria extraordinária.

Fora do estaleiro, o povo ouviu. Pareceu-lhe um grito de angústia. Não houve forças que o contivessem. Sem se saber como nem de onde apareceram martelos, picaretas e machados. O tapume de vedação do estaleiro voou em astilhas. Ainda houve um instante de hesitação nos que estavam à frente; mas, impelidos pelos que lhes ficavam na retaguarda em breve se encontraram na boca do túnel no próprio momento em que saíam dele os operários, rindo, cantando, soltando vivas, e pouco depois apareciam Júlio Garcês e Hermano das Neves aos ombros de operários, que disputavam entre si a honra de carregarem os dois triunfadores.

Subiu então o delírio ao supremo auge. Todos queriam abraçar os dois inventores. Os kodacs, as detectivas, todas as máquinas fotográficas, nas mãos de amadores e de profissionais focaram a cena.

De aí por diante os trabalhos progrediram com bastante regularidade.

Ao chegar às proximidades da margem direita, na passagem do miocénico para os basaltos, as dificuldades subiram de ponto. As nascentes de água quente e de água sulfurosa a todo o instante impediam o trabalho. Entretanto, em 5 de Junho de 1994, inaugurava-se solenemente a estação subterrânea de Lisboa nas linhas do sul.

Nesta linha havia comboios de cinco em cinco minutos, para ligação de Lisboa à Outra Banda e também à estação subterrânea vinham ter os comboios de luxo do Alentejo.

As locomotivas para serviço do túnel tinham uma forma singular. Eram precedidas por um cone muito agudo com o vértice voltado no sentido da marcha. A base do cone circuitava o túnel, mas em toda a superfície cónica apenas havia três aberturas no sentido das geratrizes. Uma para o condutor da electricidade suspenso na parte superior do túnel e as outras duas para a passagem sobre os carris.

As carruagens de luxo da linha alentejana eram todas iluminadas a luz eléctrica, de corredor lateral, com seis pares de rodas todas em bogies de maneira que se amoldavam aos raios das mais apertadas curvas. Numa das extremidades do carro havia um quarto de toilette com todos os regalos e confortos da civilização. Não se percebia trepidação alguma graças às combinações das molas de suspensão e aos amortecedores hidráulicos das vibrações.

Cada compartimento não tinha mais do que quatro lugares e os passageiros podiam ir neles sentados ou deitados como melhor lhes aprouvesse.

Quando o comboio se punha em marcha é que os passageiros percebiam para que é que servia o cone que precedia a máquina. Ocupando toda a superfície transversal do túnel, fazia pressão sobre a camada de ar que tinha em frente de si e que resvalava ao longo da superfície, escapando-se pela periferia e pelas ranhuras já descritas. Fazendo o vácuo atrás de si, forçava o ar exterior a descer pelos poços de ventilação, renovando assim a atmosfera, mas a corrente eléctrica actuava também possantes bombas de compressão de ar, embora não fosse insuficiente o sistema de ventilação adoptado.

Bastaram três minutos para que o comboio parasse na estação do Seixal, saindo ali poucos passageiros e nós com eles, porque tínhamos que ver coisas muito interessantes, entre as quais o estaleiro em que se construiu o nosso conhecido Gil Eanes.